sábado, 28 de maio de 2011

Petição Pelo rigor na cobertura mediática do acordo com a "troika": um empréstimo não é uma ajuda



Continuando no tema dos media, uma das maneiras de ludibriar o comum cidadão é a utilização de expressões que suavizam a realidade. Um dos abusos de linguagem mais gritantes nos últimos tempos é chamarem o empréstimo da troika de "ajuda externa". Pelos vistos, se tivermos de pedir um empréstimo ao banco devemos chamar-lhe de "ajuda bancária"...

Por isso surgiu mais uma petição para obrigar os media a "chamar os bois pelos nomes". Assinem que é importante!

"Uma comunicação social livre, exigente, isenta e plural é uma condição fundamental da democracia. À relevância do papel social de produção e difusão de notícias deve corresponder a mesma dose de responsabilidade e exigência no tratamento noticioso da realidade que é, necessariamente, construída pela própria noticia. Especialmente num período em que nos aproximamos de eleições, a responsabilidade sobre os temas tratados não deve existir apenas no plano da justa distribuição de tempo pelas várias ideias e opções politicas que se apresentam perante o sufrágio dos cidadãos: a semântica reveste-se igualmente de uma importância crucial no tratamento noticioso. 

Neste sentido, torna-se manifestamente inaceitável que a generalidade dos órgãos de comunicação social continue a reproduzir, displicentemente, a ideia de que o empréstimo da "troika" FMI-BCE-UE constitui uma "ajuda externa", optando assim, implicitamente, pela aceitação acrítica desta noção. 


Ora, em primeiro lugar, um empréstimo com uma taxa de juro tão elevada dificilmente pode ser considerado uma ajuda. E, em segundo lugar, este empréstimo, encontra-se associado a um acordo, que obriga o Estado Português a cumprir - a troco do empréstimo - um conjunto de contrapartidas que se materializam em medidas de austeridade fiscais, sociais e económicas. Por último, assumir acriticamente que se trata de uma ajuda significa ignorar a profunda controvérsia, contestação e discussão quanto à pertinência e adequação destas medidas, cujos impactos sociais e económicos nefastos são amplamente reconhecidos. 

Ao atribuir-se ao memorando da "troika" o epíteto de "ajuda externa" está-se portanto a construir, ou a veicular com manifesta parcialidade, uma narrativa política que favorece quem se comprometeu com este acordo, em detrimento de outras narrativas, igualmente existentes, nomeadamente da parte de quem o contesta. Quando a ideologia se infiltra desta forma inaceitável, numa sociedade plural, no tratamento noticioso, é não só o jornalismo que sai diminuído, mas também a própria democracia. 


Sabemos, pelos programas dos partidos que concorrem a eleições, que existem diferentes abordagens, interpretações e propostas de solução no que concerne ao problema da dívida da República Portuguesa. São estas perspectivas que estarão sob escrutínio dos eleitores no dia 5 de Junho. Ao assumir acriticamente a ideia de "ajuda externa", a comunicação social interfere no processo plural de debate de ideias, contribuindo para que a ideologia se sobreponha à democracia. É por isso inaceitável que o acordo da "troika" receba o rótulo de "ajuda", tornando-se por isso urgente que os diferentes órgãos de comunicação social se lhe refiram em termos mais rigorosos, isentos e correctos de um ponto de vista da linguagem económica, recorrendo por exemplo às expressões de "crédito", "empréstimo" ou "intervenção externa". 

Primeiros signatários: 

Jorge Bateira - Economista 

José Castro Caldas - Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra 

Miguel Cardina - Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra 

Ricardo Sequeiros Coelho - Investigador Júnior no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Estudante do Doutoramento em Economia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto 

Ana Costa, Investigadora do DINÂMIA- Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa 

Pedro Costa - Professor do Departamento de Economia Política do ISCTE; Investigador do DINÂMIA - Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e do CIRIUS - Centro de Investigações Regionais e Urbanas do ISEG-Universidade Técnica de Lisboa 

Luís Francisco Carvalho, Professor do ISEG - Instituto Universitário de Lisboa 

João Carlos Graça, Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa; Investigador do SOCIUS - Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações 

Ricardo Paes Mamede - Professor do Departamento de Economia do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa; Investigador do DINÂMIA - Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica do ISCTE-UTL 

Nuno Ornelas Martins - Professor da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa 

António de Jesus Fernandes de Matos - Professor do Departamento de Gestão e Economia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior 

José Miranda - Estudante de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 

Vítor Neves - Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra 

José Francisco Gandra Portela - Professor do Departamento de Economia, Sociologia e Gestão da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Investigador do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento 

José António Cadima Ribeiro - Professor do Departamento de Economia da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho 

João Rodrigues - Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra 

João Seixas - Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa 

Nuno Serra - Geógrafo, estudante de doutoramento da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
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